sábado, 28 de maio de 2011

Teatro Elizabetano... muita história para contar!

Podemos situar o aparecimento de um dos grandes marcos da história do teatro ocidental no período que se estende da segunda metade do século XVI ao início do século XVII.

Este teatro é chamado de elisabetano porque a maior parte de sua existência corresponde ao reinado da rainha Elisabete I, que se estendeu de 1558 a 1603. A tradição crítica assinala o término deste já no governo de Jaime I, sucessor de Elisabete e iniciador de uma época denominada de "jacobina", devido ao rigor do puritanismo vigente.

As características da corte elisabetana expressam a efervescência poética do período, sendo o teatro sua forma mais popular e bem sucedida . Devido às influências calvinistas, a pintura e as artes plásticas em geral não tiveram tanta relevância como na Itália ou França, por exemplo, o que não significou que não houvesse intercâmbios e influências recíprocas entre esses países.

Esta efervescência é expressa na quantidade de peças escritas no período, bem como na elevação da qualidade de seus textos.

Sabemos que de 1576 - data em que foi construído o segundo teatro público elisabetano - até 1613 foram registrados mais de oitocentos títulos de peças, das quais só nos restou pouco mais da metade. No mesmo período, Londres contava com cerca de 16 estabelecimentos teatrais em pleno funcionamento, alguns com companhias permanentes - inclusive as formadas inteiramente por crianças - e mais dúzia de dramaturgos famosos, sem contar os não muito famosos, competindo entre si ou escrevendo a quatro e até a seis mãos"(9)

A escrita de peças para os novos teatros populares era feita, também, pelos sábios da Universidade (The University Wits), homens com talento, mas sem dinheiro, que premidos pelas necessidades de sobrevivência se dedicavam a este tipo de literatura.

O teatro amador ganha espaço nas escolas e nas universidades com propósitos não só didáticos. As faculdades de direito (inns of court), onde os jovens moravam enquanto estudavam leis, serviam de palco para estas apresentações, além de proporcionarem certo ganho aos seus autores.

Londres, cidade próspera, atraía vagas de visitantes. Ao longo das estradas que conduziam a Londres, grupos ambulantes de atores encontravam boas platéias nas estalagens. Erguiam seus palcos no pátio, coletavam dinheiro em suas apresentações e decidiam dar espetáculos diariamente no mesmo lugar, fazendo com que novas platéias viessem até eles.

Isso não invalida o fato de as representações também serem realizadas em praças, nos mercados, nos salões dos grandes senhores e nos auditórios das escolas, seguindo assim, não só uma certa tradição medieval, como mantendo uma tradição teatral inglesa.

Eis a estrutura do teatro elisabetano - um edifício dando para um grande pátio, com o palco no fundo. Um terço das galerias que conduziam originalmente para os quartos, fornecia os lugares para os "mais afortunados", enquanto pessoas comuns ficavam no pátio, em pé ou sentados. Os serviços de hospedaria eram mantidos, como o de bebidas e refrescos, e os próprios nomes desses novos teatros sugeriam sua origem como hospedarias - O Touro Negro, O Cisne, O Fortune, O Hope e outros.

Através de alguns desenhos, relatos de visitantes e dos próprios textos teatrais é possível perceber outros elementos deste espaço teatral. Em geral o teatro é circular, hexagonal ou octogonal; o Fortune, no entanto, era quadrado ou retangular. Possuíam uma parte ao ar livre, sendo que as galerias e o palco eram cobertos.

A bandeira içada era sinal de espetáculo, dependendo do tempo era içada ao meio dia e o espetáculo iniciado às duas horas da tarde. Depois de passar pela porta o espectador pagava para entrar: se tivesse pouco dinheiro ficava no pátio em pé; se quisesse ir para as galerias pagava-se um pouco mais: esta "ala" era chamada de sala dos cavalheiros ou dos senhores.

Um teatro como o Globe continha três palcos:

O palco externo, chamado de "avental", era cercado por uma cortina à volta do estrado e um alçapão com múltiplas funções (por exemplo, Ofélia era enterrada nele). No centro havia outro palco, interno, que também tinha uma cortina, onde geralmente se davam as cenas de pessoas que morriam na cama. O terceiro palco - o superior - era uma galeria em cima do palco externo, onde ficavam os músicos ou os atores (a cena de Julieta no balcão, por exemplo). Nos bastidores encontravam-se o vestiário, os camarins, o depósito das roupas e das peças mais importantes do teatro. Na parte de cima, havia uma casinha com uma roldana para descer os deuses ou os seres sobrenaturais. Também em cima do palco externo duas pilastras sustentavam o "céu" pintado com a lua e algumas estrelas.

Quando o espetáculo estava prestes a começar ouvia-se um soar de trombetas. Com a representação à luz do dia, atores e espectadores se viam uns aos outros. Para sinalizar a escuridão utilizava-se uma tocha carregada pelos atores ou um texto poético nas falas. As cenas eram contínuas, sucedendo-se umas às outras, com duas horas de duração, sem intervalos(10).

Em 1574, o conde de Leicester obteve uma licença para que seus "criados" (atores que usavam sua libré(11)) pudessem representar em lugares públicos, em Londres ou outras províncias.

Com a proibição pelo Conselho da Cidade (composto por membros puritanos) da construção de um teatro para tais fins, foi construído fora dos limites da cidade, o Teatro. Uma pesquisa mais recente demonstra que houve um teatro chamado de Red Lion, que dataria de 1567, considerado assim o primeiro teatro construído especificamente para esse fim. O "Grande Globe" de Shakespeare foi construído em 1598, a partir das vigas do velho Teatro.

Estes teatros chamados de "públicos" ou "abertos" concentravam-se na parte sul de Londres, mas havia também os chamados "teatros privados" ou "fechados", encontrados na parte norte da cidade: o Saint Paul’s, dentro daquela catedral, o Blackfriars, dentro de um convento, e o Cockpit (Arena), especialmente construído enquanto os outros dois foram adaptados para os espetáculos das companhias de crianças.

Os teatros públicos eram ao ar livre e, durante o inverno, devido ao mau tempo, era conveniente os atores apresentarem-se em um teatro fechado. Explica-se assim o fato de a companhia de Shakespeare que já possuía o Globe (público) arrendar o Blackfriars (privado), tendo assim um teatro de verão e outro de inverno.

Esta descrição aponta algumas características necessárias à compreensão da "escrita" da peça, ou seja, a proximidade da platéia (o palco, uma plataforma nua, estendia-se em uma parte até o meio da platéia que, em pé ou acomodada em assentos, durante a encenação, fazia comentários a respeito da peça, dos atores e chegava até a tocar suas vestes para avaliar-lhes a qualidade do tecido), as poucas opções de trocas de cenário, os papéis escritos especialmente para determinados atores que compõem as Companhias, os papéis femininos interpretados por jovens homens, ainda estreantes na Companhia (daí os recursos de "transformação" de personagens femininos em masculinos em algumas peças, onde as heroínas passam de repente a usar roupas de rapazes(12)) e o afluxo constante de pessoas promove um número e variedade muito grande, seja de gênero ou estilo, de peças teatrais.

A tradução de obras da literatura clássica influencia a composição das peças: Terêncio e Plauto na comédia, e Sêneca na tragédia (com suas cenas de vinganças e assassinatos).

O predomínio do verso branco do período anterior, de cunho poético, e a típica estrutura da linguagem, misturando prosa e verso, torna-se parte intrínseca da composição de peças produzidas naquela época. Shakespeare toma de forma mais simples e flexível esta rica linguagem poética, repleta de imagens e metáforas, sendo ele o primeiro a transformar uma crônica inglesa na primeira tragédia histórica elisabetana (Eduardo II).

Podemos considerar que o teatro elisabetano utilizou as três linguagens essenciais (a falada, a visual e a musical), seguindo uma longa tradição cultural oral e medieval, para compor um movimento rico e único na literatura.

Assim, para os autores daquele período, as palavras eram o principal recurso, do qual, talentosamente, uniam dramaturgia e poesia. (a palavra poeta, no tempo de Elisabete, designava um escritor teatral).

As circunstâncias deste período, favorável ao cultivo e apreciação das palavras, deveu-se à tradição oral, a qual as pessoas estavam treinadas para ouvir, ao ensino obrigatório de oratória e retórica nas escolas e universidades, e a flexibilidade da língua inglesa, cunhando expressões e novas palavras(13).

O visual, "ver" uma peça, está intimamente ligado às cerimônias e rituais públicos, presentes no cotidiano da população: aberturas de Parlamento, procissões reais, comemorações em homenagem à rainha cercadas de canto, dança e declamações de versos.

A presença destes rituais está evidente nas peças shakespearianas: casamentos, banquetes, coroações, batismos, muitas vezes imbuídos de significados mais sutis de delineamento psicológico de seus personagens: em Macbeth, a interrupção do banquete em que o fantasma de Banquo aparece faz com que os nobres não respeitem a ordem social e política hierárquica junto à mesa, sinalizando a desordem presente na Escócia após a morte do rei legítimo, e dando também indício da culpabilidade e desvario de Macbeth no desfecho do episódio.

A música é um elemento importante deste teatro: os autores colocavam música ao vivo em suas peças, não só para dança, mas também para acompanhar canções ou sublinhar a atmosfera de uma cena. Muitas peças encerravam-se com uma giga (espécie de canto e dança popular). Lembremos que os atores elisabetanos deveriam ser extremamente versáteis: além de representar, estavam entre suas "funções" esgrimir, dançar, cantar, tocar um instrumento e declamar.

Consideremos por fim o vestuário e a participação da platéia.

O recurso da vestimenta era essencial para a visualização e efeitos indicativos de mudanças de comportamento ou atitude no personagem. As roupas eram luxuosas e bonitas para preencher o espaço da cena e devido à disposição do palco, para não decepcionar a platéia. No segundo caso, como exemplo, Hamlet, todo de preto, de luto pela morte do pai, contrasta com as roupas coloridas dos outros membros da corte.

A platéia era colocada como cúmplice da história desenvolvida na peça e chamada a colaborar ativamente com a representação. Isto é facilitado tanto pela proximidade do palco, como pelo recurso dos autores: seja pelo fato de os personagens declararem seus planos diretamente (vide Iago em Otelo), seja pela convenção de estar "escondido", através de frases (o personagem fingia que não era visto enquanto o outro, com que contracenava, fingia que acreditava), seja principalmente, pela participação imaginativa. No prólogo de Henrique V há um apelo:

Será que esta arena pode conter os vastos campos da França? Será que conseguiremos colocar neste "o" de madeira todas as batalhas tonitruantes que agitaram o ar em Agincourt, na França? Então, deixem que nós, os autores, que somos apenas cifras para contar esta grande história, trabalhemos sobre as suas forças de imaginação. Imaginem que dentro da parede deste círculo estão agora confinadas duas grandes monarquias, dois grandes exércitos. [...] Pensem quando nós falamos de cavalos que vocês os estão vendo.(14)

Consideramos assim, o teatro elisabetano como uma incrível mistura de tradições poéticas e teatrais, nativas daquela ilha e da história clássica, onde, com a junção do poder da palavra, a composição dramática e a imaginação do público, os autores podiam contar qualquer história, esquadrinhando romances e tragédias gregas, contos medievais, comédias italianas, dramaturgia clássica, histórias de Roma e da Inglaterra.

Alguns dramaturgos do período que justificam também uma leitura: John Lyly (1554-1606), George Peele (1558-1597), Robert Greene (1560-1592), Christopher Marlowe (1564-1593), Thomas Dekker (1572-1632), Ben Jonson ( 1572-1637) e Philip Massinger (1583-1640), entre outros.

Fonte do texto: http://migre.me/4FhIv

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